Em julho deste ano, Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve (o Banco Central Americano), afirmou que a taxa neutra de juros é muito mais baixa hoje do que era há alguns anos, e que esta seria uma tendência de longo prazo no mundo todo, não estando relacionada com política monetária especificamente, mas com oferta e demanda de poupança.
Certo, mas o que ele quis dizer com isso?
O Básico dos juros: Entre diversas definições possíveis, provavelmente a que melhor explica o cenário que estamos vivendo em termos de política econômica, é a definição do juro como a taxa de preferência temporal. Isto é, o prêmio financeiro para abrir mão do consumo presente. Na outra ponta, o juro é o preço pago pela antecipação do consumo, o desconto da impaciência. Em suma, quanto menores os juros, menor é o peso relativo do presente, e maior o valor presente do futuro.
Qual o significado, portanto, dos juros negativos?
Nesse mundo, a poupança passa a ser penalizada. Desse modo, é uma má ideia abrir mão do consumo presente. Por que, então, bancos centrais de diversos países desenvolvidos, como Alemanha e Japão, estão adotando essa lógica contra intuitiva? O mandato dos bancos centrais prevê a manutenção da inflação dentro de uma meta estipulada. Para assegurar a estabilidade de preços, cuidar do emprego e evitar recessões, o banco central tem como um de seus instrumentos, a política monetária. O racional para levar os juros para valores negativos é o encorajamento da elevação dos empréstimos pelo sistema bancário e o direcionamento das reservas para investimentos, estimulando a economia com intuito de evitar uma trajetória recessiva e a deflação de preços.
Entretanto, para além da política monetária e da análise do juros como forma de estimular ou contrair a economia, Ben Bernake aponta para uma mudança estrutural no mundo que não pode ser esquecida. O movimento de queda das taxas de juros está relacionado, em grande parte, à transição demográfica, com a diminuição da proporção da população mais jovem e aumento da população mais velha. Essa tendência do envelhecimento reduz ainda mais os gastos e comprimi os investimentos. Os jovens precisam poupar mais durante a vida ativa buscando sustentar o consumo na velhice, e o aumento da poupança reduz a taxa neutra de juros. Na dinâmica dos juros negativos, as pessoas estariam dispostas a abrir mão de consumo hoje em troca da certeza de consumir no futuro, mesmo que menos. Por conta disso, os ativos de baixo risco teriam juros negativos.
Para que fique claro, sob maior expectativa de vida, as pessoas poupam maior parte de sua renda no presente para sustentar sua condição de consumo no futuro, quando se aposentarem. Uma poupança maior representar maior quantidade de capital circulando no sistema financeiro, reduzindo o risco de solvência dos bancos permitindo, em última análise, juros mais baixos.
Qual o sentido de investir em títulos com taxas negativas?
Existem duas principais razões que levam um investidor a comprar um título público que rende taxas negativas:
A primeira é pelo fato de que os bancos na Europa cobram taxas de manutenção apenas para que você deixe seu dinheiro parado. Assim, o custo de manter o dinheiro parado na conta corrente é maior do que comprar um título com juro negativo.
O segundo fator é atribuído à expectativa de que essas taxas negativas possam cair ainda mais, pois se o juro cai, o preço do título sobe e o investidor obtêm um ganho se resgatar o título.
As taxas de juros baixas ou até mesmo negativas não são exatamente uma novidade. O Japão iniciou esse movimento no início dos anos 2000. Claro, a situação atual é reflexo, em parte, da crise financeira de 2008 que desestimulou a atividade econômica global. Além disso, a economia estagnada e sem propulsão representa cenário propício para redução dos níveis de juros. Todavia, o ponto que desejamos focar, é que há uma queda persistente nas taxas de juros de países mais desenvolvidos, mesmo depois da recuperação da crise apontada acima. Isto se deve, majoritariamente, à transição demográfica que não é um movimento cíclico. Relembremos, então, a fala de Bernanke: A queda da taxa de juros é uma tendência de longo prazo no mundo e isso não tem a ver com política monetária especificamente, mas com oferta e demanda de poupança. Ou seja, a população está envelhecendo, as pessoas vivem mais e poupam mais...
O Brasil
O Banco central cortou a taxa básica de juros em meio ponto na última quarta feira e apontou novo corte até o fim do ano. Com a persistência desse movimento e com as expectativas atuais da inflação no país, juros nominais na vizinhança de 3.5% revelam que taxas reais chegarão a zero, ou até ingressariam em terrenos negativos. Tecnicamente, após três anos de recessão, observamos ainda capacidade ociosa na economia que sustenta políticas expansionistas sem pressionar o aumento da inflação. Além disso, o valor em torno de 3.3% de inflação para 2019 está abaixo do centro da meta determinada este ano de 4,25%.
O questionamento que fica é: Como conciliar a política econômica com o envelhecimento populacional no mundo. É algo estrutural, é a primeira vez, em muito tempo, que as pessoas estão vivendo uma aposentadoria extremamente longa. Entretanto, será que os juros baixos são, de fato, instrumentos sustentáveis a longo prazo? Será que é, de fato, um movimento natural? Qual é a real causa desse cenário e quais as possíveis consequências?
Veremos...
Artigo do Financial Times, importante para os próximos textos que virão: https://www.ft.com/content/6cdd55a6-eff2-11e9-ad1e-4367d8281195