Princípios contábeis iniciais
Regime de Competência: A transação é contabilizada a partir do fato gerador, ou seja, a partir do momento em que ocorre o evento (entrega de serviço, equipamento etc..) independentemente de quando acontecerá o pagamento em si.
Regime de Caixa: A transação é contabilizada a partir do pagamento ou recebimento efetivo de dinheiro.
Análise
O demonstrativo de resultado (DRE) não é construído a partir do regime de caixa. Isso significa que os resultados da companhia que estão lá apresentados não refletem as movimentações no caixa naquele período. Se, por acaso, a empresa preparasse a DRE inteiramente a partir do regime de caixa, não haveria balanço patrimonial, apenas o Patrimônio Líquido e o Caixa.
É justamente a diferença de regimes entre a demonstração do fluxo de caixa (DFC) e o demonstrativo de resultado (DRE) que faz com que exista uma importante relação entre as demonstrações e também é a razão pela qual o Balanço Patrimonial ganha extrema relevância, pois lá está tudo que ocorreu, porém ainda não significou movimentação de caixa efetivamente. Por exemplo, se minha empresa vende uma mercadoria a prazo, na DRE a receita dessa transação já estará contabilizada, porém no ativo a conta "Clientes" ou "Contas a Receber" irá refletir esse evento contábil até o momento em que houver o pagamento. Após a entrada de caixa, essa conta clientes no balanço pode desaparecer e a transação estará no fluxo de caixa das operações, na DFC.
Lucro Líquido e Lucros Acumulados: O lucro líquido, a última linha da DRE, se relaciona com o balanço patrimonial e a DFC da seguinte maneira: No balanço está representado na conta lucros acumulados. Se não há distribuição de dividendos ou a transferência do lucro para algumas reservas, o lucro líquido na DRE será igual ao lucro acumulado no balanço. Já no DFC, o lucro líquido representa o ponto de partida para o cálculo (pelo método indireto) do fluxo de caixa das operações da companhia. Aqui, os ajustes sobre o lucro líquido irão refletir os eventos que não afetaram o caixa como depreciação e amortização, vendas a prazo, despesas a serem pagas no futuro, entre outros.
Depreciação: No Balanço, a depreciação aparece como uma conta redutora de ativos imobilizados, ou PP&E (Property Plant and Equipment), isto é, máquinas, veículos, terrenos, etc. A depreciação flui do balanço para a DRE como uma despesa e por fim é adicionada ao lucro líquido na DFC, por representar uma despesa não-caixa.
Capital de Giro: O capital de giro ou working capital está relacionado aos recursos necessários para o dia a dia das operações. As contas que costumam refletir o capital de giro são: Estoques, contas a pagar, contas a receber. Mudanças em ativos e passivos cíclicos ou de curto prazo no balanço patrimonial estão ligados a receitas e despesas da DRE, mas é necessário realizar um ajuste no DFC para que ele reflita exatamente a quantidade de caixa recebida ou paga no negócio.
Exemplo:
Aqui podemos ver um aumento em contas a receber e em estoques. Isso revela que não houve entrada de caixa, ou seja, os clientes devem mais e foi necessário um desembolso de caixa para mais estoques. Em contrapartida, o aumento de contas a pagar revela que a empresa postergou o pagamento de seus fornecedores.
A conta a ser feita então para chegarmos na variação do capital de giro é (5100-5904) + (7805-9601) + (4800-3902) = (1702). Todas essas contas estão relacionados a receitas e despesas que, em algum momento, estiveram contabilizadas na demonstração de resultado. Uma venda a prazo há três anos teria aparecido na DRE, naquele exercício, como uma receita e o caráter de longo prazo do recebimento de dinheiro por essa transação pode ainda estar sendo refletido pela "contas a pagar" desse exemplo acima.
Financiamento: Eventos de financiamento como o levantamento de uma nova dívida afeta todos os demonstrativos: a despesa de juros aparece na DRE, o montante principal da dívida no balanço (pode ser formada por algumas contas do passivos) e a variação no montante principal da dívida está refletido no fluxo de caixa de financiamento, essa variação pode ocorrer pelo pagamento ou contração de dívidas nos períodos subsequentes.
O intuito é que o demonstrativo de fluxo de caixa consiga explicar a variação da conta do balanço patrimonial "caixa e equivalentes de caixa."
Algumas ideias apresentadas neste texto nos ajudam a desmistificar algumas afirmações e criar uma bagagem contábil maior para analisar empresas eficientemente:
Lucro não é tudo! Olhar somente para o demonstrativo de resultados da empresa e principalmente para o lucro líquido pode dar a falsa impressão de sucesso da companhia. Lucro não significa geração de caixa e muitas vezes a empresa pode estar gerando lucro e não conseguir gerar caixa durante vários exercícios justamente pela diferença nos prazos de pagamento e recebimento. E é importante lembrar que toda essa análise faz sentido e têm raiz no fato de que o lucro é apurado pelo regime de competência e a geração de caixa, claro, pelo regime de caixa.
O balanço é a esponja que absorve as transações que ocorreram, mas ainda não representaram saída ou entrada de caixa. A venda de um produto da DRE estará "armazenada" na conta Clientes ou contas a receber, enquanto não houver o pagamento do consumidor. Quando este for feito, fluirá para o DFC na variação do capital de giro.
Algumas coisas explicadas aqui só conseguem ficar claras com o constante trabalho de elaboração e consequente análise dos demonstrativos. Por ora, espero que tenho sido esclarecedor!