Primeiramente, é importante salientar que o cálculo da taxa de desconto é uma das partes mais difíceis e ao mesmo tempo intrigante no processo de valuation: Intrigante, pois depende de diversas variáveis que interagem entre si e difícil por não ser uma ciência exata e, portanto, não existe uma resposta absolutamente certa.
Algumas regras básicas:
1- Ao estimar o fluxo de caixa em reais (R$), a taxa de desconto deve ser projetada também em reais. Da mesma maneira, fluxos em dólares (US$) só podem ser descontados por taxas na moeda norte-americana.
2- Como forma de mitigar os problemas relacionados à alta inflação no Brasil nos anos 1980, os fluxos de caixa passaram a ser projetador em dólar. Esta é uma forma implícita de tentar eliminar efeitos inflacionários. Todavia, é perfeitamente plausível calcular fluxos de caixa e taxas de desconto considerando a inflação até porque as taxas de câmbio não são influenciadas somente por questões inflacionárias.
3- Se a escolha do modelo de precificação for o fluxo de caixa para a firma (FCFF), a taxa de desconto deve ser o WACC. Já se for o fluxo de caixa para o acionista (FCFE), a taxa de desconto será o custo de capital própio.
Relembrando, o fluxo de caixa para a firma refere-se a todo o capital da empresa, seja próprio ou de terceiros (a referência é o lucro operacional após impostos). Já o fluxo de caixa para o acionista está relacionado somente ao capital próprio (a referência é o lucro líquido).
Capital Asset Pricing Model (CAPM)
Considerações Iniciais
Este é o modelo mais utilizado no mercado para o cálculo da taxa de desconto para o acionista. O modelo possui quatro pressupostos: Inexistência de custos de transação, total liquidez de compra e venda nos mercados, simetria de informações no mercado, possibilidade de diversificação (eliminação) total do risco específico da ação, a partir da construção de um portfólio.
Essas hipóteses tornam o modelo questionável, mas o que se vê é que o uso de um modelo simples como o CAPM tende a ser o melhor ponto de partida para o cálculo da taxa de desconto do acionista. Dada a possibilidade de diversificação assumida, todos os fatores específicos seriam neutralizados, restando apenas o risco não diversificável. Presumir de que só o risco de mercado (representado pelo índice Beta) deve ser monitorado no longo prazo leva a uma simplificação do modelo.
A fórmula do CAPM
Ao aplicar em um ativo de risco qualquer, certamente o investidor deseja receber, no mínimo, a rentabilidade que teria investindo em um ativo com risco quase zero, mais um "prêmio" exatamente pelo fato de estar se arriscando. Esse "prêmio" deve ser proporcional ao tamanho do risco incorrido.
Retorno exigido do ativo (Ke) = RF + β x (RM - RF), tal que RF representa o risco do ativo livre de risco, o Beta é explicado no primeiro texto deste blog e RM é o retorno do mercado de ações.
Ativo livre de risco (RF): Certamente pertence a classe de ativos de renda fixa. Para ser considerado livre de risco, um ativo, tecnicamente deve apresentar três características: Inexistência de risco de calote no pagamento, inexistência de risco de reinvestimento (não pode haver pagamento de juros e amortização durante a vida do título e não deve haver oscilação na taxa de juros.
1- É impossível garantir com 100% de confiança que nunca haverá calote, mas os governos, por serem emissores de moeda, são as entidades com menor risco de default. Os emissores privados dependem do resultado de sua operação, pois não podem fabricar dinheiro.
2- Papéis bullet (pagamento de amortização e juros apenas no final), sem pagamentos de cupons intermediários, teoricamente resolvem esse problema.
3- O risco de oscilação de taxa de juros é pouco funcional para o analista, pois mesmo utilizando um título pós-fixado, este só irá informar a taxa no vencimento, o que impede a formação da taxa de desconto para trazer a valor presente um fluxo hoje.
Beta (β): https://www.mfporumjovem.com/post-unico/2018/04/29/Beta-Como-mensurar-e-utilizar
Prêmio de risco (RM - RF): Apresenta o quanto o investidor exige de diferencial sobre ativo livre de risco para aplicar seus recursos em um investimento de renda variável. Depende da percepção de risco geral do mercado, do tamanho da taxa de juros, pois quanto mais elevada a taxa de juros real (tudo mais constante), maior o prêmio de risco exigido pelo investidor, do hábito do investidor de aplicar em ativos de renda variável e, por fim, depende das oportunidades de investimento no país com boa expectativa de retorno.
"Valuation depende não só do objeto analisado, mas também dos diferentes custos de oportunidade, objetivos de alocação e preferências de risco do investidor interessado pelo ativo".
CAPM na prática
Mas afinal, na prática, como o custo de capital próprio é calculado para a compra de ativos brasileiros por investidores brasileiros:
Ke = NTN-B (a de prazo mais longo, combinada com maior liquidez) + Bottom-up beta (em relação ao benchmark de cada investidor) x 6,5% a.a
Observação: A ideia do bottom-up (beta de baixo para cima) consiste em, após o agrupamento em segmentos das ações de empresas semelhantes, recalcula-se o beta individual de cada ação, a partir de uma base estatística mais consistente. A lógica é de que empresas no mesmo setor tendem a apresentar betas diferenciados basicamente por sua alavancagem financeira.
Taxa de desconto para a firma - WACC (Weighted Average Cost of Capital)
WACC - o que é e fórmula
O WACC incorpora o custo da dívida na taxa de desconto e reflete a ponderação de dívida e capital próprio que uma empresa usa para se financiar. Justamente por isso, é a taxa que desconta o fluxo de caixa para a firma. O pagamento de juros sobre a dívida representa um benefício fiscal dado que é dedutível da base do lucro tributável.
WACC = Ke x (E/E+D) + Kd x (1-t) x (D/E+D)
Ke - Custo do capital próprio
Kd - Custo da dívida líquido (já desconta o benefício fiscal)
D - Valor presente de toda a dívida
E - Valor de mercado, é o valor para o acionista (número de ações x preço da ação)
t - Alíquota média de imposto de renda
Pergunto agora, se aumentamos o endividamento, será que o custo de capital próprio também é afetado?
Sim, ele também aumenta: O efeito transmissor da maior alavancagem financeira no custo de capital próprio ocorre via elevação do beta. Como há uma elevação da relação D/E, o beta da empresa é afetado e o custo do capital próprio aumenta.
O custo ponderado de capital pode mudar ano a ano por três motivos:
1 - Custo do capital próprio: Apesar de o ativo livre de risco e do prêmio permanecerem constantes, pode-se projetar mudanças no beta devido a modificações programadas na estrutura de capital da empresa.
2 - Custo do capital de terceiros: É possível projetar mudanças na taxa de captação de recursos de terceiros por conta de alterações nas notas de crédito e sabendo de mudanças na estrutura de capital
3 - A própria mudança na estrutura de capital: Está ligada as projeções de cada alteração na alavancagem ou desalavancagem da empresa até o patamar final a ser atingido na perpetuidade.
O assunto é muito técnico e extremamente complexo. Não se preocupe se restaram dúvidas, a literatura sobre o tema é extensa e a regra de sempre é um passo de cada vez!